quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O uso e o abuso do direito autoral > Quando a lei protege o autor e prejudica o consumidor


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São Paulo, quarta-feira, 21 de dezembro de 2011Ilustrada
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Análise

Direito moral deu a vitória ao inventor da bossa nova

ronaldo lemos
COLUNISTA DA FOLHA
Quando o CD "O Mito" foi lançado em 1988 pela EMI, o mundo era diferente. Havia lojas de disco, e a internet era um experimento. Era o início da era dourada das gravadoras, com a chegada do CD e a chance de revender todo o catálogo no novo formato.

João foi procurado pela EMI para autorizar o lançamento, mas não concordou com os valores. A EMI foi em frente e lançou até uma versão nos EUA, "The Legendary João Gilberto".

O disco reunia os três primeiros álbuns do cantor e uma faixa do filme "Orfeu do Carnaval". A ordem das músicas era diferente, a capa era nova e o mais importante: as faixas foram remasterizadas para digital, com nova equalização e transformando mono em estéreo.

Nada satisfeito, João Gilberto processou a EMI. A decisão ocorreu na semana passada, 23 anos depois.

Desde então o mercado da música mudou completamente. As lojas desapareceram, e o iTunes chegou ao Brasil. A EMI nem existe mais: foi comprada pela Universal e pela Sony, prováveis herdeiras da indenização.

O argumento da ação foi que João Gilberto teve seu direito moral violado. O direito autoral tem dois lados: um econômico, negociável, e outro "moral", inegociável, que permite ao autor impedir mudanças na obra que afetem sua reputação ou honra.
Na visão do STJ, as mudanças na remasterização descaracterizaram o original, e João Gilberto deve ser indenizado.

É curioso como o direito "moral" muitas vezes torna-se o último recurso para artistas que cederam os direitos econômicos sobre sua obra para uma gravadora.

Valendo-se deles, conseguem renegociar os termos do contrato e impedir alterações ou novas edições.

O direito moral enfrenta novos desafios. Está em curso outro processo de mudança de mídia. Os discos objeto da controvérsia, por exemplo, estão à venda no iTunes.

São oferecidos em formato de áudio comprimido com apenas 220 megabytes ("O Mito" tem 450). O que foi perdido na nova remasterização? Resta saber, assim, se a qualidade de áudio na internet está à altura de João Gilberto.

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