domingo, 29 de maio de 2011

A história do fujão.





      De pronto, tenho a lhes dizer que sou contra o confinamento de animais de estimação em apartamentos ou gaiolas. Comungo da opinião daqueles que defendem a tese de que os animais devem viver em seu habitat, com parceiros de sua espécie. Enfim, que tenham uma existência natural.

     Mas vamos à história do Fujão. Há uns quatro anos, o meu filho mais velho apareceu com um periquito dentro de uma gaiola, dizendo que o bicho ficaria lá por uns dias... E o bicho, que não era um periquito, mas sim um agapornis fischeris, uma espécie de periquito africano, originário da Tanzânia, detentor de um trinado agradável, longo e forte, foi ficando por lá...

    Tratava-se de um pássaro lindo, bico vermelho, de um verde inenarrável contrastando com um amarelo manga. Parecia que tinha saído de uma pintura de Baptista da Costa, importante pintor acadêmico brasileiro, famoso pelos seus inigualáveis verdes. E lá estava o engaiolado, já há algum tempo, arrebentando o peito de cantar, até que concluí que ele tinha vindo para ficar. 

     Apurei que tinha vindo do Méier, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, e que de lá já tinha fugido e voltado na companhia de umas rolinhas.

E o bicho fugiu de novo

     O Fujão, que tinha uma habilidade fantástica, conseguiu abrir a porta da gaiola e fugiu, ao que se saiba, pela segunda vez. Todos os dedos da família, em riste, apontavam para o único responsável pela fuga. Afinal, quem tinha feito discurso contra a presença do pobre bichinho... Como costumo dizer, só respondo à minha consciência e deixei as acusações para que fossem desmentidas pela verdade. 

   Concluí ainda que, se tinha fugido, só poderia ter sido porque estava achando desconfortável a prisão a que tinha sido, injustamente e à revelia, condenado. Além disso, era uma tremenda maldade deixá-lo sem uma parceira dentro de uma gaiola. 

     Não posso negar que fiquei feliz com a fuga, embora tenha me sentido injuriado com as acusações de que a teria facilitado. Contudo, o Fujão estava por perto. Tentou fazer pouso nas árvores do jardim do nosso edifício e nos próximos, mas os outros passarinhos lhe davam passa-foras, agindo de forma bem diferente das rolinhas solidárias e companheiras lá do Méier. E o Fujão ficou de lá para cá, durante 24 horas, sob os olhos torcedores de toda a família para que voltasse. Até que, faminto, voltou à gaiola que ficava pendurada na varanda, aquela que dá para a Rua Ipanema, mantida inteligentemente de porta aberta pelo meu filho mais velho. Ouvi um barulho e lá estava o Fujão, vesgo de fome, traçando vorazmente a sua ração. Sequer se assustou quando fechei a porta da gaiola.

     Aí decretei: o bicho só fica se encontrarmos uma fêmea para ele.

Tenho testemunhas oculares 

     No dia em que a fêmea chegou, a primeira coisa que o Fujão fez, amável como sempre, cheio de salamaleques, foi pegar comida e colocá-la na boca da parceira. 

     Tempos depois, a parceira do Fujão se envolveu com a tigela d’água ficando debaixo dela, se debatendo sem conseguir de lá sair. Eu e demais circunstantes, às gargalhadas, assistíamos ao desespero do Fujão, que queria livrar a companheira da aflição. Até que conseguiu. O ser humano, decerto, é muito cruel...

     O Fujão era um bicho vaidoso. Invariavelmente, por volta das 10 da manhã, por conta própria, tomava o seu banho e ficava parecendo um pinto molhado. Depois, com o bico, penteava todas as suas penas. Quando secava, ficava lindo, novo em folha.

     Não entendo de passarinhos, mas o comportamento do Fujão era incomum. Tinha atitudes que denotavam inteligência, poder de dedução e coerência. No inverno, durante a noite, ou quando a chuva era intensa, a gaiola era colocada no banheiro de serviço. Pela manhã, ele procurava chamar a atenção de quem chegasse à área de serviço, objetivando que a gaiola, depois de reabastecida, fosse colocada de volta na varanda. Quando dormíamos até tarde e só tirávamos a gaiola de lá por volta do meio-dia, ficava de cara emburrada, não cantava e ficava olhando para quem o tirasse de lá, sério, como que reclamando a falta de consideração.
     Provavelmente, por ter sido assistido pelas rolinhas do Méier em sua primeira fuga, tinha um carinho especial por todas as rolinhas que, à época, faziam ponto em nossa varanda. E não é que o Fujão se debatia na caçamba da ração, espalhando a comida pelo chão da varanda, para que as rolinhas se alimentassem? Depois, ficava no fundo da gaiola, olhando para baixo, observando as rolinhas catando o alpiste pelo chão. Tenho várias testemunhas...

     Quando o carcará dava um rasante na área, uma ave de rapina que andou atacando várias gaiolas no nosso condomínio e que acabou morto a golpes de vassoura por uma empregada doméstica enfurecida, o Fujão se encolhia no fundo da gaiola, pretendendo ficar invisível... Tenho, também, várias testemunhas...

     O Fujão era solidário, gentil, generoso, tinha um enorme espírito de gratidão, simpático, inteligente, coerente, habilidoso, bom cantor e, quando a fome não o apertava, tinha um enorme amor à liberdade. 

E ele fugiu pela derradeira vez...

     No dia 30 de novembro de 2002, traído pelo seu bom coração, o Fujão caiu fulminado por um violento enfarte, para a tristeza geral da família, pois, dessa vez, todos sabemos que ele não vai voltar. As rolinhas também têm certeza disso, já que nunca mais apareceram na varanda lá de casa. Ele foi enterrado no bosque de Nova Ipanema, debaixo de uma linda árvore, o único pau-brasil que fica em frente ao pomar que dá para a rodoviária da Barra da Tijuca. Por acaso ou quem sabe pelo destino, esse pau-brasil nasceu de uma muda plantada pelo meu filho mais velho num pequeno vaso na nossa varanda, bem debaixo da gaiola onde ficava o Fujão.

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